A história da tatuagem no Brasil por Carlinhos Tattoo

A história da tatuagem no Brasil por Carlinhos Tattoo

Para falar sobre tatuagem no Brasil deve-se voltar a alguns personagens que ajudaram a construir esta história no final dos anos 70. Antes relegada e marginalizada, a tatuagem passou por diversas transformações ao longo dos anos e todas elas foram vividas pelo Carlinhos, que até hoje é reconhecido com uma das referencias quando se fala no tema. Para entender melhor essa cronologia, batemos um papo com ele, que nos contou um pouco mais sobre essa rica história.

NC: Você foi um dos primeiros nomes da tatuagem no Brasil. Conte um pouco como foi que surgiu o interesse pela tatuagem e a ideia de abrir o Scorpions Tattoo Studio?

Carlinhos: Bom, eu fiz minha primeira tatuagem com 16 anos, com um cara que eu descobri em São Bernardo que tatuava em casa. Peguei o endereço dele com um colega e depois de seis meses fiz minha segunda tatuagem. Depois de aproximadamente nove meses, caiu a ficha! Olhei bem a águia que eu tinha feito e os contornos das asas estavam tortos, sem muita perfeição. Pensei que poderia fazer melhor que ele, porque eu já desenhava e fazia alguns trabalhos de aerografia, pintava muros, salão de bailes, algumas paredes de comércios.
Eu trabalhava numa loja de ferragens e sai deste emprego, vendi um moto 125 que eu tinha e fiquei mais de um mês acampado para refletir sobre o que fazer da minha vida, porque decidi nunca mais trabalhar para alguém e seguir com meu sonho de fazer algo relacionado a arte.

Foi quando em uma noite de lua cheia em Trindade, olhando minha tattoo eu pensei em tentar montar uma máquina de tatuar. Comprei umas revistas gringas de tatuagem que surgiram nas bancas de jornal do centro de SP, eu comecei a traduzir tudo o que os tatuadores gringos falavam e comecei a olhar as fotos das maquinas e conseguir montar uma maquininha pra mim, aliando com o conhecimento que já tinha em equipamentos eletrônicos de alguns cursos que tinha feito na adolescência. Com essa maquina arrumei minha tatuagem e fiz uma tatuagem em um colega, um dragão no antebraço. Neste trabalho os contornos ficaram bem melhores. E a cada tatto que fazia, 10 pessoas me procuravam. Após seis meses tatuando, já comecei a ter lista de espera de três meses.Com isso abri um studio em uma casa que eu morava na Vila Gumercindo, no Ipiranga.

O nome Scorpions ele surgiu porque no começo eu comecei a me tatuar e acabei tatuando um escorpião na mão e um colega meu também. Uma noite, olhando para as duas tattoos pensamos em abrir um studio com o nome Scorpions. Esse colega acabou desistindo de tatuar. Eu saia a noite para colar panfletos nos pontos de ônibus e assim fui criando uma clientela.

Na época era difícil trazer equipamentos de tatuage, depois de um ano tatuando conheci um tatuador que me ajudou muito, o Fradinho. Esse cara me deu dicas de como tatuar e ele também me deu dicas de como melhorar as bobinas das máquinas que eu montava na época. Ele era um grande artista e um grande tatuador que trabalhava numa travessa da Paulista.

NC: Como era a cena da tattoo na época? Enfrentou problemas para seguir a carreira de tatuador?

Carlinhos: Quando eu comecei em agosto de 1980 o Brasil ainda estava no período de ditadura militar, então a tatuagem no país era muito mal vista. Para a sociedade, quem tinha tattoo aparente ou era marinheiro ou era prostituta, porque a tatuagem no Brasil começou no porto de Santos trazida por um dinamarquês nos anos 60, então sua clientela se baseava nessa galera que frequentava o caís.

Foi uma pena que ele não veio trabalhar em SP para reduzir esse preconceito. Eu comecei a tatuar do pulso para o braço e quando saia na rua as crianças gritavam e se chocavam , pois era algo totalmente diferente. Enfrentava preconceito ao entrar no ônibus e as pessoas saiam de perto de mim e eu via aquilo como algo positivo pois a tatuagem ajudou afastar pessoas ruins do meu caminho.

O grande problema nessa época era conseguir alugar uma sala ou um imóvel para tatuar. Quando eu deixei minha casa e fui tatuar num lugar comercial, tive que mentir a atividade praticada para conseguir alugar. Falava que ali funcionaria um salão de cabelereiro ou algo relacionado a pintura.

O studio é um dos mais tradicionais e longevos do país, a que você atribui esse sucesso?

Carlinhos: Minha mãe era enfermeira e eu já tinha bastante noção sobre assepsia e contaminação cruzada. O material era todo esterilizado em estufas e depois apareceram as autoclaves e nós fomos mudando os aparelhos, sempre estando antenados nas novidades e buscando o contínuo aperfeiçoamento. Nunca me contentei como tudo que fazia e sempre buscava o caminho da superação e melhora. Alguns tatuadores eu convidei para trabalhar comigo e nos anos 90 trabalhei com tatuadores que ajudei passando informações e assim montei uma equipe. De um tatuador passamos para uma equipe que conta com 12 profissionais atualmente.

Temos muitos clientes da área da saúde, porque eu sempre divulguei sobre a esterilização dos materiais e as medidas de segurança e higiene que tomávamos.
A Scorpions ajudou a formar grandes nomes da tatuagem, além de participar da organização de grandes eventos. O que levou o studio a ser este celeiro formador de grandes profissionais e um dos mais relevantes na cena da tatuagem?
No Brasil ainda não havia a importação de material, era tudo proibido. Para conseguir máquinas de tattoo ou eu tinha de fabricar ou viajar e trazer de fora. Como não tinha condições de viajar, comecei a montar minhas máquinas. Alguns colegas me perguntavam onde eu tinha comprado essas máquinas e assim comecei a fazer máquinas por encomenda. Quando as importações foram liberadas eu já consegui comprar alguns equipamentos. Os profissionais que tinham acesso a esse material começaram a se aperfeiçoar. A primeira convenção de tatuagem que participei foi em 1995 em Curitiba, lá eu ganhei um prêmio de melhor costas tatuada e isso me levou a sempre ser convidado para participar de outras convenções e até hoje nós sempre participamos na divulgação deste tipo de evento.

NC: Como avalia o mercado da tatuagem nos dias de hoje?

Carlinhos: Praticamente hoje temos um excesso de profissionais tatuando, devido a falta de regulamentação da atividade no país. Era previsto isso 20 anos atrás. Em 2001 alguns tatuadores se reuniram e foi criado um sindicato para levar as autoridades o desejo de regulamentação da atividade, principalmente na questão da saúde pública. A falta de conhecimento leva a contaminação por doenças como a Hepatite C, que é uma doença grave e silenciosa. Quando montamos este sindicato contratamos uma biomédica e um médico para ministrarem dois cursos.

No estado de São Paulo apresentamos três projetos que foram barrados e assim desistimos de tentar regulamentar a atividade no estado e tentamos em Brasília para fazer algo a nível nacional. Tínhamos apoio de muitos tatuadores que conhecemos em convenções e eventos pelo país. Conseguimos emplacar um projeto de lei em 2007, que tinha sete folhas, que era a regulamentação da nossa atividade. Na tramitação, tivemos o contato da Anvisa para regulamentar os materiais de tatuagem. Numa reunião com a Anvisa explicamos que o projeto de regulamentação estava para ser aprovado.

Após 12 anos o projeto de lei parou e infelizmente não foi pra frente. Ainda estamos buscando a aprovação deste projeto para, enfim, regulamentar nossa profissão.

Depois que a Anvisa regulamentou os equipamentos de tatuagem, os associados começaram a sair do sindicato pela demora na aprovação da regulamentação e, assim ficou muito difícil manter o sindicato que era bancado pelos diretores. Quando ficou difícil arcar com todas as despesas decidimos engavetar o sindicato, mas ele pode voltar a qualquer momento.

O grande problema dessa demora de regulamentação foi o surgimento de diversas escolas de tatuagem criadas pro profissionais que não são tatuadores ou pessoas do meio. Muita gente notou a falta de organização e apareceram oportunistas que exploraram isso.

NC:Tem alguma dica para quem quer seguir a carreira de tatuador?

Carlinhos: Minha dica é a pessoa tentar trabalhar num studio de tatuagem com algum profissional que admire o trabalho e tentar ser o aprendiz dele. A formação ideal é essa! Assim a pessoa entrará com o pé direito e da forma certa no universo da tattoo.
Se você for aprendiz de algum tatuador, será também respeitado pelos outros tatuadores.

Sobre o Autor
Formado em Relações Públicas pela Faculdade Cásper Líbero e Especialista em Assessoria de Comunicação e Mídias Sociais pela Universidade Anhembi Morumbi, profissional com mais de 10 anos de experiência em comunicação organizacional. Desenvolvimento de atividades como: relacionamento com o público interno, coordenação e estratégias de criação e comercialização de campanhas em mídias sociais, trade marketing e comunicação externa. Know how em gestão de canais, organização de eventos, cerimonial e protocolo, relacionamento com stakeholders, além de coordenação da edição de publicações técnicas. Responsável pela carreira e imagem de atletas de performance e profissionais, além do gerenciamento da comunicação organizacional e marketing de empresas dos ramos de esportes, qualidade de vida, cultura, ensino e entretenimento, atendendo contas como CNA Idiomas e Sutton São Paulo. Atuou como docente convidado do módulo Relações Públicas, Assessoria e Comunicação Interna no curso de pós graduação de Gestão da Comunicação Integrada do Senac. Também ministra palestras sobre temas variados de comunicação.
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